ARLS GUARDIÕES DO TEMPLO N. 7061 

Jacques de Molay

Jacques de Molay

 

Para quem caminha pela “Île de la Cité”, margeando o rio Seine, no centro do que fora a cidade medieval de Paris, é fácil não perceber a existência, na Place du Vert Galant, da placa de bronze já esverdeada que traz gravado o nome de Jacques de Molay.

Tendo à frente o espelho d’água, a placa compõe a bucólica paisagem vista desde a Pont Neuf (a mais antiga ponte da cidade), onde os jardins da Place Pont Neuf e da Place Dauphine parecem desconformes com a informação que os olhares mais atentos podem ler ali: “neste local, Jacques de Molay, último Grão-Mestre da Ordem dos Templários, foi queimado, em 18 de março de 1314”.

A insígnia assinala o local exato onde fora assassinado o último Grão-Mestre da “Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão”, o patrono da Ordem DeMolay desde a sua fundação em 1919, e referência para Maçons de todo mundo, queimado vivo publicamente por ordens do rei Filipe IV, de França, em conluio com o líder da cristandade latina, o Papa Clemente V.

Não queremos compreender o trágico fim que naquele exato lugar ele amargou, mas como adentrou à imortalidade que os seus feitos terrenos permitiram, atravessando o tempo, cortando gerações e gravando na memória não apenas do povo francês, mas de todos aqueles que reivindicam-no como arquétipo da luta contra a tirania onde quer que ela se apresente.

Regressemos, com este propósito, à comuna francesa cujo nome ele carregou consigo: Molay, no então condado da Bolonha (hoje o Alto Sona), no final da primeira metade do século XIII.

Como muitos de sua idade e da mesma proveniência nobiliárquica, aos 21 anos ingressou à Ordem dos Cavaleiros Templários, nome como hoje conhecemos a "Pauperes commilitones Christi Templique Salomonici" (a “Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão”), Ordem Militar de Cavalaria fundada em 1118, na França, com o escopo de proteger os peregrinos cristãos e guardar o Reino de Jerusalém após a conquista lograda na Primeira Cruzada, terminada em 1096. Sob a guarda dos Templários estavam os caminhos que ligavam Jerusalém à cidade portuária de Akko, um dos principais pontos de conexão do mundo médio oriental com outras realidades circum-mediterrâneas.

Quando ali iniciou a sua formação erudita, religiosa e militar, após firmar votos de pobreza, castidade, devoção e obediência, vestindo a túnica branca que ostentava apenas a cruz vermelha, integrou uma organização muitíssimo distinta daquela criada por nove cavaleiros e que assentara as suas atividades no Monte do Templo, no que restara do antigo Templo de Salomão. A Ordem do Templo era agora uma das maiores estruturas de poder de toda a Europa.

Para compreende-lo, é preciso esclarecer que, para que seus filhos tivessem uma privilegiada formação tanto erudita, quanto religiosa e militar, ricos comerciantes e nobres benfeitores cristãos doavam propriedades que permitiram à Ordem concentrar pequenas fortunas numa vasta base territorial que cobria muitas das realidades europeias. Mas não se tratava apenas de poder econômico, mas de capital político angariado com o crescente prestígio dos Templários em suas relações com a poderosa nobreza de ofício e com os agentes do capital mercantil em diversos países onde assentou suas sedes. Também pela fortaleza militar, em vultosos recursos bélicos e numerosos efetivos, que tornaram o seu apoio fundamental para as guerras que envolveram os Estados europeus.

Mas o seu poder político decorre, tanto quanto a sua ruína, sobretudo, do fato de terem se tornado um dos maiores credores do Clero, da nobreza encastelada e do próprio reinado de Filipe IV, severamente endividado com a Ordem. Isso porque os recursos colhidos com doações de ricos comerciantes e da oligarquia nobiliárquica foram operados, em larga escala, como capital usurário em empréstimos que socorreram, com elevadas taxas de juros, os mesmos agentes a quem interessava o controle e, se necessário, a destruição dos Cavaleiros Templários.

Quando da morte do Grão-Mestre Teobaldo Galdino, em 1298, Jacques de Molay assumiu o Grão-Mestrado dos Templários, aos 54 anos de idade e totalizando 33 anos de ordem.

Apesar de o posto supremo da Ordem do Templo ter lhe conferido enorme prestígio e poder, o novo Grão-Mestre assumia tendo que lidar com uma conjuntura muitíssimo adversa. As vitórias sarracenas em batalhas travadas nas Cruzadas fizeram com que a cristandade perdesse não apenas importantes cidades e portos, mas reduziram os contingentes templários a apenas um único grupo.

A estratégia malfadada de tentar insuflar uma nova cruzada, desde a Ilha de Chipre, permitiu que, vendo a Ordem Templária fragilizada, a coroa tentasse submetê-la ao seu mando. Filipe IV empenhou-se, em 1305, em fundir a Ordem dos Cavaleiros Templários à Ordem dos Hospitalários, o que daria origem a uma nova organização posta sob o seu mando direto. Com isso, a coroa passaria a ter o controle sobre todas as riquezas entesouradas por ambas as ordens, além de apropriar-se dos vultosos títulos de dívidas que atavam o Clero, a Coroa e a nobreza aos fundos geridos pelos Templários. Também interessava a Filipe IV pôr fim ao prestígio político e à grandeza militar que, não podendo controlar, via como ameaças ao Estado Eclesiástico-Civil.

Fracassado o plano de Filipe IV de submeter a Ordem ao seu comando, quando manifesto o desacordo de Jacques de Molay, iniciou-se a conspiração que culminou na destruição dos Cavaleiros Templários.

O conluio foi orquestrado por Filipe IV e o Papa Clemente V, e contou com a participação de Esquino de Floyran, nobre que, em troca de terras e riquezas que seriam expropriadas da Ordem, prestou-se a difamar os Templários e a difundir inverdades sobre o seu Grão-Mestre, afirmando práticas de heresia, rituais de magia e de culto a outros deuses, em desprestígio ao Deus cristão.

O estratagema foi colocado em marcha entre os dias 12 e 13 de outubro de 1307, quando foram invadidas, sob pretexto das acusações, todas as sedes da Ordem, seus soldados presos e sistematicamente torturados a fim de que confessassem as práticas heréticas denunciadas. Centenas de Cavaleiros Templários foram queimados vivos publicamente, como hereges confessos.

Naquela mesma madrugada, no dia 13, Jacques de Molay foi preso por Guilherme de Nogaret, agente do rei, durante um funeral da própria família real francesa.

Junto de outros cavaleiros, foi encarcerado numa masmorra onde, durante sete anos, foi torturado e submetido às mais degradantes condições de existência, a fim de que informasse o paradeiro dos tesouros templários que não haviam sido confiscados ainda no processo. Junto dos tesouros desapareceu também toda uma esquadra e cujo destino Jacques de Molay, por mais que tivesse sido torturado, jamais revelou. Com este intuito, foi levado à corte em três julgamentos distintos.

No último deles, aos 18 de março de 1314, já com 70 anos, a Corte Especial apresentou, como provas de seus crimes, confissões que ele mesmo teria assinado. Acusando a falsidade dos documentos e negando as práticas heréticas de que era acusado, foi sentenciado à morte, preferindo a pena capital a ter que viver a contradição de ter negado todos os princípios que em sua jornada terrena defendeu.

A mesma escolha foi feita pelo cavaleiro Guido de Auvérnia, e ambos foram queimados publicamente no mesmo dia.

Nada disso pode a solene placa de bronze, deitada na Place du Vert Galant, nos dizer. Mas se pudéssemos ouvir as últimas palavras de Jacques de Molay, escutaríamos o último Grão-Mestre da Ordem dos Cavaleiros Templários convocar o Papa Clemente V, o rei Filipe IV e seu agente Guilherme de Nogaret para responderem por seus crimes perante o Tribunal de Deus.

Em menos de um ano, os três estariam mortos.

Para a França, a morte do rei sem que houvesse um legítimo herdeiro a quem pudesse ser transferida a coroa, acarretou numa crise política de tal forma grave que levaria à carnificina de todo o século seguinte: a Guerra dos Cem Anos.

É a escolha de Sócrates! Jacques de Molay morreu por seus ideais e foi leal ao seu juramento até o último sopro da sua existência. Morreu de pé, agigantando-se para a imortalidade na memória de seus feitos, mantida vívida por Maçons, Demoleys, homens e mulheres de todo o mundo.

“Não a nós, Senhor, não a nós, mas pela Glória de teu nome”.

 

Texto do Ir:. Rodrigo Medina Zagni (M:. I:.)